Em defesa da internet livre e democrática
Por Carlos A. Afonso em 11/06/2013
Embaixador Miguel Palomino de la Gala, Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento das Nações Unidas; Dr. Supachai Panitchpakdi, Secretário Geral da UNCTAD; Dr. Hamadoun Touré, Secretário Geral da UIT, em nome dos quais cumprimento as autoridades presentes, senhoras e senhores:
Recebi a honrosa missão de falar na cerimônia de abertura da 16ª Sessão da Comissão de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento das Nações Unidas (UN CSTD) como membro de uma pequena organização da sociedade civil, comprometida com a contribuição proativa no avanço das TICs para o desenvolvimento humano em meu país.
Também sou membro fundador de uma iniciativa pluralista importante para a governança da Internet no Brasil, criada em 1995, quando este conceito ainda não existia, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) – uma iniciativa conjunta do governo, academia, indústria e ONGs. Mais do que uma simples organização de gestão de números e nomes de domínio para o domínio “.br”, o Comitê Gestor tem a missão de supervisionar ou aconselhar de forma geral assuntos relacionados ao desenvolvimento e implantação da Internet em nosso país.
Desde 2003, quando um modelo multissetorial para coordenação foi consolidado, a maioria de seus 21 membros é eleita a cada três anos pela sociedade civil, setor privado e a comunidade técnica. Nosso Comitê Gestor tem sido uma referência para diversos países na organização de processos multissetoriais para governança da Internet.
Em 2009 o Comitê Gestor chegou a um consenso sobre 10 Princípios para a Governança e Uso da Internet no Brasil. O Decálogo do CGI.br vem então sendo usado como referência em diversos fóruns mundiais e foi a pedra fundamental de uma proposta desafiadora: um novo projeto de lei que estabelece um marco de direitos civis para a internet brasileira, conhecido como o Marco Civil da Internet. O Marco Civil foi elaborado ao longo de um processo aberto de 3 anos, com consultas altamente participativas entre membros de todos os setores, até atingir sua versão final que foi submetida ao Congresso no ano passado.
Agora, lutamos para preservar a essência do Marco Civil em sua travessia pelo Congresso, contra o pesado lobby da indústria de telecomunicações (que se opõe fortemente à neutralidade da rede) e das principais empresas de midia (que desejam a derrubada de conteúdos sem o devido processo legal, assim como a responsabilização indevida aos intermediários).
Internet para todos
Em resumo, essas são, mais ou menos, as mesmas disputas que podemos perceber na maior parte dos países, incluindo nas mais desenvolvidas democracias. Um forte indicativo desse e de outros obstáculos à construção de uma Internet mais livre e aberta foi o recente apelo, feito há quatro dias, de Neelie Kroes, vice-presidente da Comissão Europeia responsável pela Agenda Digital, que, junto com a defesa de um mercado europeu unificado de telecomunicações, ressalta a fundamental relevância de se garantir a neutralidade da rede, entre outros direitos fundamentais.
Como a comissão de banda larga da ITU-Unesco declarou em seu relatório de 2012, “até hoje, o crescimento rápido e substancial da banda larga não implicou em acréscimos significativos no acesso à Internet em países menos desenvolvidos, nos quais apenas 6% dos habitantes tinham acesso em 2011. Espera-se que essa porcentagem seja mais que o dobro em 2015, mas, até lá, o grande vão que separa essas nações dos países de renda mais alta pode crescer ainda mais.” E Susan Crawford, em seu recente livro “Captive Audience”, faz uma defesa muito forte da universalização da banda larga de alta velocidade bidirecional (tanto para upload quanto para download) em cada casa e escritório.
Alta velocidade bidirecional é a verdadeira banda larga, com a garantia da neutralidade de rede e a proteção de outros direitos humanos básicos para o usuário final.
Como eu disse na cerimônia de abertura do IGF em Baku, a ausência de barreiras e a comunicação global e aberta possibilitada pela Internet são cruciais para que se concretize a promessa do Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.
Impor restrições ao livre fluxo de informações é e sempre foi uma atitude contrária ao direito individual de liberdade de expressão. Nós devemos preservar e promover os direitos fundamentais de comunicação, conforme foi sintetizado na declaração final do primeiro evento de revisão WSIS+10, ocorrido na sede da Unesco, em Paris, em fevereiro deste ano.
Como exemplifica a experiência brasileira em governança pluralista, nenhum futuro arranjo institucional voltado à governança da Internet pode ser restringido a meras estruturas multilaterais – nós podemos precisar de novos mecanismos de governança, mas estes devem enfatizar a total participação de todos os setores, da concepção de políticas até a tomada de decisões. Vamos torcer para que o atual grupo de trabalho da CSTD sobre cooperação aprimorada ilumine o caminho para uma efetiva colaboração internacional.
Que a Internet continue a florescer livremente para o benefício daqueles que vivem nas suas extremidades, ou seja, todos nós. Obrigado.
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Carlos A. Afonso é diretor executivo do Instituto Nupef, presidente da ISOC Brasil e membro do CGI.br
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